Aurélio da Costa Ferreira foi pioneiro em pensar a comunicação emocional por vezes inconsciente que decorre na sala de aula entre aluno e professor. Num texto genial apresentado em 1916 perante a Sociedade de Estudos Pedagógicos intitulado Sobre Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto, o pedagogo comenta sobre a relação professor aluno “alguns episódios, que se passam entre educadores e educandos, que me lembram a cena de um animal a investindo furioso contra o próprio espelho, por nele ver reproduzida uma atitude de hostilidade que cresce e aumenta à maneira que ele mais se encoleriza. Enfurece-se sem saber, contra si mesmo” (Ferreira, 1920 p.139).
No mesmo texto de 1916 sublinha ainda “O professor é como actor. O estado emocional do público é reflexo do seu próprio estado emocional” (Ferreira, 1920 p.139) Para Ferreira, era claro a existência de processos comunicacionais de ordem emocional que determinam de forma não racional o comportamento de professor e aluno. Numa tentativa de compreender melhor a comunicação emocional Ferreira (1920) dedica especial atenção à importância do gesto como forma de comunicação não verbal afirmando “a criança compreende mais a nossa fisionomia e os nossos gestos do que a nossa palavra” (Ferreira, 1920 p.148). A importância dedicada à comunicação não verbal compreende-se melhor quando afirma “De resto, a palavra é mais para mentir. O Olhar e as mãos é que são as verdadeiras janelas da alma” (Ferreira, 1920 p.148).
Percebemos através destas pequenas citações a existência da convicção que relação pedagógica transcende em muito o plano de oratória lógica racional de troca de conhecimento. A relação pedagógica é marcada por uma dinâmica relacional e emocional que vai muito para além da palavra consciente. É curioso como refere Salgueiro (1991) o facto de ficarmos a dever a Ferreira (1919) a segunda citação em língua portuguesa à importância do pensamento psicanalítico num texto intitulado “A Arte de Educar e a Psicologia Experimental”. Neste texto datado de 1919, Ferreira afirma a importância do estudo pelos educadores dos fenómenos inconscientes “Em psicologia pedagógica o subconsciente vale mais que o consciente” (Ferreira, 1920 p.25), afirmando depois “a psicanálise pode e deve ser conhecida pelo educador” (Ferreira, 1920 p.26).
Já na fase final do texto “A Arte de Educar e a Psicologia Experimental” Ferreira surpreende-nos finalizando com uma referência directa ao pensamento de Gustavo Le Bom, “A educação é a arte de fazer passar do consciente para o inconsciente” (Ferreira, 1920 p.26), acrescentando um seu pensamento”A reeducação, essa é muitas vezes o trabalho oposto, digo eu, o trazer do inconsciente ao consciente para transformar e depois voltar a tornar inconsciente” (Ferreira, 1920 p.26).
Ferreira é surpreendente na forma como define o conceito de reeducação de cariz mais terapêutica contrastando-o com o conceito de educação. A intervenção terapêutica faz-se nas palavras de Ferreira, tornado consciente as experiências inconscientes, talvez infantis de forma a poderem ser comunicadas e trabalhadas na relação reeducativa, de forma a sofrerem na relação uma transformação que permita num segundo momento uma nova interiorização que idealmente iria acomodar no íntimo da personalidade as ideias transformadas.