Para muitos este título pode parecer estranho. Afinal o que há de comum entre competição e estratégia, palavras associadas regularmente com à área empresarial, e instituições? O que poderá existir em comum entre os conceitos organizacionais de competição e de estratégia, as vezes entendidos de forma negativa com uma área em que todos os intervenientes estão bem intencionados e dedicados a um fim nobre que é ajudar crianças e jovens em perigo?
Bem, há já algum tempo que acho que muitas das grandes dificuldades sentidas na área das crianças e jovens em perigo prende-se mais com questões organizacionais, do que com falta de boa vontade ou disponibilidade dos intervenientes que actuam nesta área. E, tenho de confessar, ao longo dos meus vários anos em Portugal a trabalhar como supervisor/consultor/formador de várias equipas técnicas, educativas e direções, a larga maioria das pessoas que conheci faziam um esforço extraordinário para ajudar estas crianças, indo muito para além do que é pedido a um profissional.
Aqui entra Michael Porter, Professor de Estratégia e de Competição na Harvard Business School. Estive a ler um livro sobre ele que veio na minha encomenda de Natal na Amazon. Uma ideia interessante é a ideia de "trade-off", ou seja as organizações fazem escolhas estratégicas (tomam decisões), e este é um processo em que as diferentes escolhas possíveis são incompatíveis entre si, mas as escolhas realizadas trazem benefícios na medida que geram valor para a organização.
Vejamos um exemplo apresentado no livro, o caso da McDonald's que construiu o seu crescimento a volta da proposta de valor de "consistência" e "rapidez". Nos anos 90, ao enfrentar um problema de crescimento nos Estados Unidos, resolveu aproximar-se do que os outros concorrentes faziam e passou a oferecer a opção "hambúrgueres feitos à medida" ao invés dos típicos hambúrgueres previamente definidos. Julgavam que isso lhes iria dar uma vantagem competitiva face à concorrência. No entanto, esta opção ou "trade-off" veio com outros custos, uma vez que "hambúrgueres feitos à medida" demoram não só mais tempo como é mais difícil atingir a consistência desejada. Aleém do mais, não conseguiam acumular stock de hambúrgueres previamente cozinhados para as complicadas horas de almoço, deixando os restaurantes com o problema de potencialmente irritarem os clientes com longas esperas. O que Michael Porter argumenta é que aquilo que o McDonald's fez foi "straddling", ou seja, tentar copiar a vantagem da concorrência ao mesmo tempo que queria manter a proposta de valor que tinha criado. Porter argumenta que isto é impossível porque estratégia é tomar decisões que excluem outras possibilidades. Ou seja, se a opção é "rapidez" e "consistência", isso é impossível de conciliar com "hambúrgueres à medida". Por muito que custe, temos que tomar opções sabendo que não podemos "agradar a gregos e troianos".
Voltando às instituições e às famílias, se aplicarmos as ideias do Michael Porter às mesmas, temos um problema de posicionamento estratégico e de definição do que é o superior interesse da criança pois a ideia de "acolhimento familiar" pode ser uma forma de "straddling" das famílias, perdendo ao mesmo tempo o "trade-off" que pode ser ter uma criança numa instituição.
Vamos a um exemplo mais perto da nossa realidade. Se uma instituição de crianças quiser ser o mais parecido com uma família tem que ter o menor número de crianças possível, o interior da casa deve assemelhar-se a uma casa de uma família, deve ter o funcionamento o mais semelhante com uma família na gestão das rotinas e na forma como a casa é gerida, e os adultos devem ter um papel parental.
No entanto, quanto mais caminhamos no sentido familiar perdemos os possíveis "trade-off's" de ser uma instituição nomeadamente capacidade de avaliação da interação mãe-criança para fornecer evidências às CPCJs/Tribunais porque uma casa familiar não tem uma sala equipada com um espelho uni-direccional, e as famílias e as crianças não são avaliadas. Perdemos o uso da intervenção através da rotina diária, na medida em que isto implica que as crianças e jovens sejam elas próprias co-gestores da casa, o que pode colidir com a arrumação típica de uma casa familiar. Perdemos a capacidade de envolvermos as crianças e jovens na gestão democrática e colaborativa da casa, reunindo regularmente em grupo e discutindo abertamente os problemas, inclusivamente o que os levou à instituição. Perdemos a possibilidade das instituições funcionarem em acolhimento terapêutico, pois numa família normal se há problemas as crianças ou a família vão uma vez por semana ao psicólogo. Ou seja, ou os pomos a "fazer" e nos sujeitamos a que seja mal feitos, ou mantemos a casa num brilho mas eles estão menos envolvidos no processo e ficam desresponsabilizados - típico problema nas instituições.
Resumindo, se queremos instituições terapêuticas - cheias de recursos de intervenção focados nas necessidades emocionais e do comportamento-, ou se queremos bons centros de avaliação - capazes de fazer bons relatórios e produzir muita informação para os tribunais e CPCJ-, então o trade-off pode ser que as instituições sejam menos familiares. Se queremos instituições mais familiares, o trade-off pode ser que sejam menos capazes de fazer boas avaliações ou terem um impacto terapêutico. No entanto, se ir ao encontro das necessidades destas crianças é colocá-las num lugar familiar, pessoalmente, então faz-me mesmo muito mais sentido que haja uma cobertura nacional de famílias de acolhimento.
Segundo Michael Porter é tudo uma questão de decisão sobre qual é a proposta de valor, mas é impossível ter o melhor dos dois mundos. Se um professor de Harvard (consultor do governo português) diz isto, quem sou eu para duvidar.
São apenas algumas ideias. Não têm de concordar comigo e aceitam-se comentários.
Bem, há já algum tempo que acho que muitas das grandes dificuldades sentidas na área das crianças e jovens em perigo prende-se mais com questões organizacionais, do que com falta de boa vontade ou disponibilidade dos intervenientes que actuam nesta área. E, tenho de confessar, ao longo dos meus vários anos em Portugal a trabalhar como supervisor/consultor/formador de várias equipas técnicas, educativas e direções, a larga maioria das pessoas que conheci faziam um esforço extraordinário para ajudar estas crianças, indo muito para além do que é pedido a um profissional.
Aqui entra Michael Porter, Professor de Estratégia e de Competição na Harvard Business School. Estive a ler um livro sobre ele que veio na minha encomenda de Natal na Amazon. Uma ideia interessante é a ideia de "trade-off", ou seja as organizações fazem escolhas estratégicas (tomam decisões), e este é um processo em que as diferentes escolhas possíveis são incompatíveis entre si, mas as escolhas realizadas trazem benefícios na medida que geram valor para a organização.
Vejamos um exemplo apresentado no livro, o caso da McDonald's que construiu o seu crescimento a volta da proposta de valor de "consistência" e "rapidez". Nos anos 90, ao enfrentar um problema de crescimento nos Estados Unidos, resolveu aproximar-se do que os outros concorrentes faziam e passou a oferecer a opção "hambúrgueres feitos à medida" ao invés dos típicos hambúrgueres previamente definidos. Julgavam que isso lhes iria dar uma vantagem competitiva face à concorrência. No entanto, esta opção ou "trade-off" veio com outros custos, uma vez que "hambúrgueres feitos à medida" demoram não só mais tempo como é mais difícil atingir a consistência desejada. Aleém do mais, não conseguiam acumular stock de hambúrgueres previamente cozinhados para as complicadas horas de almoço, deixando os restaurantes com o problema de potencialmente irritarem os clientes com longas esperas. O que Michael Porter argumenta é que aquilo que o McDonald's fez foi "straddling", ou seja, tentar copiar a vantagem da concorrência ao mesmo tempo que queria manter a proposta de valor que tinha criado. Porter argumenta que isto é impossível porque estratégia é tomar decisões que excluem outras possibilidades. Ou seja, se a opção é "rapidez" e "consistência", isso é impossível de conciliar com "hambúrgueres à medida". Por muito que custe, temos que tomar opções sabendo que não podemos "agradar a gregos e troianos".
Voltando às instituições e às famílias, se aplicarmos as ideias do Michael Porter às mesmas, temos um problema de posicionamento estratégico e de definição do que é o superior interesse da criança pois a ideia de "acolhimento familiar" pode ser uma forma de "straddling" das famílias, perdendo ao mesmo tempo o "trade-off" que pode ser ter uma criança numa instituição.
Vamos a um exemplo mais perto da nossa realidade. Se uma instituição de crianças quiser ser o mais parecido com uma família tem que ter o menor número de crianças possível, o interior da casa deve assemelhar-se a uma casa de uma família, deve ter o funcionamento o mais semelhante com uma família na gestão das rotinas e na forma como a casa é gerida, e os adultos devem ter um papel parental.
No entanto, quanto mais caminhamos no sentido familiar perdemos os possíveis "trade-off's" de ser uma instituição nomeadamente capacidade de avaliação da interação mãe-criança para fornecer evidências às CPCJs/Tribunais porque uma casa familiar não tem uma sala equipada com um espelho uni-direccional, e as famílias e as crianças não são avaliadas. Perdemos o uso da intervenção através da rotina diária, na medida em que isto implica que as crianças e jovens sejam elas próprias co-gestores da casa, o que pode colidir com a arrumação típica de uma casa familiar. Perdemos a capacidade de envolvermos as crianças e jovens na gestão democrática e colaborativa da casa, reunindo regularmente em grupo e discutindo abertamente os problemas, inclusivamente o que os levou à instituição. Perdemos a possibilidade das instituições funcionarem em acolhimento terapêutico, pois numa família normal se há problemas as crianças ou a família vão uma vez por semana ao psicólogo. Ou seja, ou os pomos a "fazer" e nos sujeitamos a que seja mal feitos, ou mantemos a casa num brilho mas eles estão menos envolvidos no processo e ficam desresponsabilizados - típico problema nas instituições.
Resumindo, se queremos instituições terapêuticas - cheias de recursos de intervenção focados nas necessidades emocionais e do comportamento-, ou se queremos bons centros de avaliação - capazes de fazer bons relatórios e produzir muita informação para os tribunais e CPCJ-, então o trade-off pode ser que as instituições sejam menos familiares. Se queremos instituições mais familiares, o trade-off pode ser que sejam menos capazes de fazer boas avaliações ou terem um impacto terapêutico. No entanto, se ir ao encontro das necessidades destas crianças é colocá-las num lugar familiar, pessoalmente, então faz-me mesmo muito mais sentido que haja uma cobertura nacional de famílias de acolhimento.
Segundo Michael Porter é tudo uma questão de decisão sobre qual é a proposta de valor, mas é impossível ter o melhor dos dois mundos. Se um professor de Harvard (consultor do governo português) diz isto, quem sou eu para duvidar.
São apenas algumas ideias. Não têm de concordar comigo e aceitam-se comentários.